Hoje me deparei com um bicho.
Era de metal. Inerte, porém articulado.
Era um dos bichos de Lygia Clark. E estava num pedestal.
Fiquei feliz ao vê-lo, depois de muito sabê-lo.
Eu o esperava ver num pedestal também, então não foi uma surpresa.
No entando para a artista acho que seria. Algo idealizado para ir além do objeto de exposição, teve o mesmo fim fatídico de qualquer escultura: o spotlight.
Pro artista arte é coisa muito séria.
Pro mundo arte é mais um rótulo de coisa.
Transbordar a tela e inundar a vida: surpreender o olhar despreparado para o que ele nem sabe que pode ver: esse é o objetivo do artista - sugar o sujeito que fita a obra para uma dimensão onírica, onde 2 corpos podem sim ocupar o mesmíssimo lugar no espaço.
É só ali numa escultura, numa pintura, ..., que uma expressão pode ser tão delicadamente transmitida. Não há palavra dura que transmita a delicadeza mole e sutil do sentimento.
Cá estou - duro que sou na minha casca - transcorrendo com palavras coisas que senti.
E não parto de nenhuma presunção de que conseguirei transmitir o que vi, o que senti, o que pensei. É só que a arte me afeta e daí aquilo que inunda o artista me inunda também - e como também sou artista também tenho que transbordar.
E não falo com presunção que sou artista, falo com convicção.
Nasci
gauche.
Tentei me conter aos limites das
canvas, mas só consegui transbordar por toda a minha vida.
Talvez o bicho de Lygia Clark estivesse me observando e pensando o mesmo de mim: desafortunada criatura feita para transbordar e contida nessa casca dura com ares de quem respira spotlight.
Devidamente reconhecido, farejado e decifrado virei e fui-me embora.