Eis uma pergunta que me acompanha desde tempos remotos. Lembro-me do Rio Grande do Sul e do frio acompanhado de um grande tapete de lã fofa branca, uma lareira, pijamas de flanela e pantufas também de lã. Essa é provavelmente a minha memória mais reconfortante.
Sempre gostei da sensação de ser reconfortado. Gostava de entrar em caixas, armários, me esconder no vão entre 2 sofás e lá permanecer.
Analogamente visito todos esses lugares internos dentro de mim. Gosto de abrir gavetas, à lá Salvador Dali, e procurar por detalhes, traquitanas e coisinhas mil. Às vezes me escondo nessas gavetas e é puro prazer - seguro, protegido, isolado, calmo e quente. Sim, quente. É que só no frio a gente procura por um lugarzinho quente e eles são os meus preferidos. Como é bom buscar um aconchego. Num cachecol. Num casaco de moletom macio.Um chá bem quente de erva-doce. Ou cassis.
E nessa combinação de frio + coisas quentes eu encontro o meu lugar numa gavetinha. Tudo ganha tamanha perspectiva e eu me sinto tão real. Já o calor me deixa confuso, longe de mim mesmo, enevoado, eu mal me reconheço. E no frio eu caibo no meu corpo e é tão quentinho e macio aqui dentro.
Minha mente fica aguçada e pronta para a vida. Fazendo uso de um conceito de Clarice, o frio é Sveglia. O calor não. Meus pensamentos no frio também são. Como um relógio suíço preciso e que sabe funcionar e não se sente errante na sua existência de tics e tacs.
E o meu tic-tac interno me diz que é hora de me interiorizar. Que já passou da hora. A excessão é apenas para me perder num abraço morno. Abraço esse abençoado pelo frio que preenche a distância eterna entre 2 corpos. O frio justifica a minha mais constante frieza. Nele me reconheço e lembro que doçura e conforto são para poucos.
E Saturno com certeza é gelado. Velhinho eremita que vaga pelas regiões geladas. E do calor da centelha que cria a vida é uma espiral para baixo: a vida termina no corpo gelado da morte. E é a morte que nos une, ou o medo dela, e nos permite qualquer prazer e qualquer abraço.
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Há 11 anos
2 comentários:
Eu gosto muito do frio... mas ultimamente tudo que quero é sentar no sol... acho que foi o trauma do frio excessivo do ultimo inverno... estou ficando fria que nem os alemães e agora me jogo em qq fresta de calor que vejo pra ver se reencontro meu antigo eu...
saudades!
Você busca essa sensação uterina no frio mas ao mesmo tempo é nesse momento que se sente mais independente dela. Acaba procurando abraços mornos e o apoio nesse equívoco de que o que "nos" une é a morte.
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