segunda-feira, 1 de junho de 2009

Por que me sinto mais vivo no frio?

Eis uma pergunta que me acompanha desde tempos remotos. Lembro-me do Rio Grande do Sul e do frio acompanhado de um grande tapete de lã fofa branca, uma lareira, pijamas de flanela e pantufas também de lã. Essa é provavelmente a minha memória mais reconfortante.
Sempre gostei da sensação de ser reconfortado. Gostava de entrar em caixas, armários, me esconder no vão entre 2 sofás e lá permanecer.
Analogamente visito todos esses lugares internos dentro de mim. Gosto de abrir gavetas, à lá Salvador Dali, e procurar por detalhes, traquitanas e coisinhas mil. Às vezes me escondo nessas gavetas e é puro prazer - seguro, protegido, isolado, calmo e quente. Sim, quente. É que só no frio a gente procura por um lugarzinho quente e eles são os meus preferidos. Como é bom buscar um aconchego. Num cachecol. Num casaco de moletom macio.Um chá bem quente de erva-doce. Ou cassis.
E nessa combinação de frio + coisas quentes eu encontro o meu lugar numa gavetinha. Tudo ganha tamanha perspectiva e eu me sinto tão real. Já o calor me deixa confuso, longe de mim mesmo, enevoado, eu mal me reconheço. E no frio eu caibo no meu corpo e é tão quentinho e macio aqui dentro.
Minha mente fica aguçada e pronta para a vida. Fazendo uso de um conceito de Clarice, o frio é Sveglia. O calor não. Meus pensamentos no frio também são. Como um relógio suíço preciso e que sabe funcionar e não se sente errante na sua existência de tics e tacs.
E o meu tic-tac interno me diz que é hora de me interiorizar. Que já passou da hora. A excessão é apenas para me perder num abraço morno. Abraço esse abençoado pelo frio que preenche a distância eterna entre 2 corpos. O frio justifica a minha mais constante frieza. Nele me reconheço e lembro que doçura e conforto são para poucos.
E Saturno com certeza é gelado. Velhinho eremita que vaga pelas regiões geladas. E do calor da centelha que cria a vida é uma espiral para baixo: a vida termina no corpo gelado da morte. E é a morte que nos une, ou o medo dela, e nos permite qualquer prazer e qualquer abraço.

2 comentários:

Carol Pitzer disse...

Eu gosto muito do frio... mas ultimamente tudo que quero é sentar no sol... acho que foi o trauma do frio excessivo do ultimo inverno... estou ficando fria que nem os alemães e agora me jogo em qq fresta de calor que vejo pra ver se reencontro meu antigo eu...
saudades!

Anônimo disse...

Você busca essa sensação uterina no frio mas ao mesmo tempo é nesse momento que se sente mais independente dela. Acaba procurando abraços mornos e o apoio nesse equívoco de que o que "nos" une é a morte.