domingo, 16 de agosto de 2009

Naughty Spot

Imerso na minha nova realidade de quem vem abstraindo muito as formas, vendo muitos contornos e possibilidades de expressão nas coisas mais sutis, lancei minhas palavras com majestade e disse, como o lanterneiro que ilumina o caminho à frente: "A sua visão da fotografia é quase uma pintura. Acho que você não devia fotografar, devia pintar."
E toda a certeza do que eu falei foi esvaziada por também palavras, mas essas cheias de doçura e do amor de quem entende de maneira muito profunda as diferenças entre as pessoas e seus universos, e disse "Eu não acho... essa é a sua opinião, não a minha."
Devidamente e, ainda bem, desinflado e desconstruído, ri alto e mandei-o sentar no canto de castigo para pensar na malcriação que fez à minha majestade.

sábado, 6 de junho de 2009

O bicho

Hoje me deparei com um bicho.
Era de metal. Inerte, porém articulado.
Era um dos bichos de Lygia Clark. E estava num pedestal.
Fiquei feliz ao vê-lo, depois de muito sabê-lo.
Eu o esperava ver num pedestal também, então não foi uma surpresa.
No entando para a artista acho que seria. Algo idealizado para ir além do objeto de exposição, teve o mesmo fim fatídico de qualquer escultura: o spotlight.
Pro artista arte é coisa muito séria.
Pro mundo arte é mais um rótulo de coisa.
Transbordar a tela e inundar a vida: surpreender o olhar despreparado para o que ele nem sabe que pode ver: esse é o objetivo do artista - sugar o sujeito que fita a obra para uma dimensão onírica, onde 2 corpos podem sim ocupar o mesmíssimo lugar no espaço.
É só ali numa escultura, numa pintura, ..., que uma expressão pode ser tão delicadamente transmitida. Não há palavra dura que transmita a delicadeza mole e sutil do sentimento.
Cá estou - duro que sou na minha casca - transcorrendo com palavras coisas que senti.
E não parto de nenhuma presunção de que conseguirei transmitir o que vi, o que senti, o que pensei. É só que a arte me afeta e daí aquilo que inunda o artista me inunda também - e como também sou artista também tenho que transbordar.
E não falo com presunção que sou artista, falo com convicção.
Nasci gauche.
Tentei me conter aos limites das canvas, mas só consegui transbordar por toda a minha vida.
Talvez o bicho de Lygia Clark estivesse me observando e pensando o mesmo de mim: desafortunada criatura feita para transbordar e contida nessa casca dura com ares de quem respira spotlight.
Devidamente reconhecido, farejado e decifrado virei e fui-me embora.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Por que me sinto mais vivo no frio?

Eis uma pergunta que me acompanha desde tempos remotos. Lembro-me do Rio Grande do Sul e do frio acompanhado de um grande tapete de lã fofa branca, uma lareira, pijamas de flanela e pantufas também de lã. Essa é provavelmente a minha memória mais reconfortante.
Sempre gostei da sensação de ser reconfortado. Gostava de entrar em caixas, armários, me esconder no vão entre 2 sofás e lá permanecer.
Analogamente visito todos esses lugares internos dentro de mim. Gosto de abrir gavetas, à lá Salvador Dali, e procurar por detalhes, traquitanas e coisinhas mil. Às vezes me escondo nessas gavetas e é puro prazer - seguro, protegido, isolado, calmo e quente. Sim, quente. É que só no frio a gente procura por um lugarzinho quente e eles são os meus preferidos. Como é bom buscar um aconchego. Num cachecol. Num casaco de moletom macio.Um chá bem quente de erva-doce. Ou cassis.
E nessa combinação de frio + coisas quentes eu encontro o meu lugar numa gavetinha. Tudo ganha tamanha perspectiva e eu me sinto tão real. Já o calor me deixa confuso, longe de mim mesmo, enevoado, eu mal me reconheço. E no frio eu caibo no meu corpo e é tão quentinho e macio aqui dentro.
Minha mente fica aguçada e pronta para a vida. Fazendo uso de um conceito de Clarice, o frio é Sveglia. O calor não. Meus pensamentos no frio também são. Como um relógio suíço preciso e que sabe funcionar e não se sente errante na sua existência de tics e tacs.
E o meu tic-tac interno me diz que é hora de me interiorizar. Que já passou da hora. A excessão é apenas para me perder num abraço morno. Abraço esse abençoado pelo frio que preenche a distância eterna entre 2 corpos. O frio justifica a minha mais constante frieza. Nele me reconheço e lembro que doçura e conforto são para poucos.
E Saturno com certeza é gelado. Velhinho eremita que vaga pelas regiões geladas. E do calor da centelha que cria a vida é uma espiral para baixo: a vida termina no corpo gelado da morte. E é a morte que nos une, ou o medo dela, e nos permite qualquer prazer e qualquer abraço.

domingo, 24 de maio de 2009

Os incomodados que se mudem - i'm bringing sexy back!

Eu mais o Rio de Janeiro combinamos tal qual sapatos de camurça e um dia de chuva, ou um dia de calor de 40º e uma blusa de lã, ou ainda um figurino comumente utilizado na praia pelos transeuntes: tênis, meia e sunga!
E se a galera lá de São Paulo cansou de ser sexy eu posso dizer que o que eu já me cansei, voltei, dei 3 loops, sexy back e cansei de novo foi dos velhos problemas do Rio.
Sexta-feira eu tive a tarde livre e fui caminhar pela praia. Um dia lindo, temperatura boa - nem tórrido nem frio, praia vazia. Ou seja, todos os elementos para ser uma agradável ida à praia. Mas além da água suja, com direito a espuminha que fica na areia, eu nunca me sinto à vontade naquele ambiente. É algo da natureza mais profunda da combinação daqueles elementos, cores, sensações. Sei lá... azul e bege não fazem muito minha cabeça! Prefiro mil vezes sentar no jardim do Parque Laje. Verde, que te quero verde! Enfim, andando pela praia, de sunga e tudo, eu me sentia tão inadequado. Não sei se era perceptível, mas para mim era quase como se houvesse um letreiro de neon em cima de mim apontando para o quanto eu não pertencia àquele elemento. E mesmo que houvesse pouquíssimas pessoas para verem o imaginário letreiro neon, o que importa é que ele piscou para mim e apenas disse: "STOP TRYING! Pára de tentar, macaca burra!" Daí eu andei, sentei NA GRAMA, e parei pra refletir sobre tudo isso. Olhei o mar e tentei entrar num estado de contemplação como a maioria das pessoas faz e nada. Nenhuma paz. Voltei pra casa, super derrotado.
Hoje fui novamente caminhar pelo calçadão, só pra gastar energia mesmo e pegar um sol de fim de tarde. Mas o sol às 4 da tarde já tinha sumido de copacabana e tudo que eu via me desmotivava e desanimava. A melhor coisa que eu vi foi a arquitetura de alguns prédios - o copacabana palace é sempre incrível - e uns quadros que estavam expostos na calçada. Agora, me digam: qual o imbecil que vai andar na praia pra ver a arquitetura dos prédios da orla e quadros expostos? Euzinho!
A beleza do Rio é toda virtual. Quase um holograma. Só pode ser vista, não tocada. Todas as sombras de árvores da orla, todos os bancos e canteiros de grama de praças públicas - BANHEIRO DE MENDIGO. Impossível ter qualquer prazer de sentar num jardim público se ele fede a excrementos diversos! E eu juro que são TODOS. Isso quando os mendigos, além de usar os parques como banheiros, também não os usam como casa. Moram lá, constituem família e ali vivem por gerações, ou o que parecem ser gerações.
Odeio o calor de 40º, odeio a "moda" praia, odeio a cultura de garoto/a zona sul. Aqui nesse contexto sou apenas mais um ugly duckling, a misfit, an outcast, a loser, ... Então acho que eu cansei de NÃO ser sexy. Obedecendo ao ditado popular mais endeusado e aplicado em relação a tudo no Brasil "Os incomodados que se mudem!".

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Lá vai Maria...

Segunda-feira, Maria acorda e está tudo no mesmo lugar que estava ontem

por um segundo - na realidade turva entre o dormir e o despertar - esperava que sua vida tivesse mudado magicamente

não é que eu não goste da vida

é apenas o querer doentio de constante novidade

e o fugir não-menos doentio dos rituais de manutenção da vida: varrer, lavar, cozinhar, comer, tomar banho, guardar as roupas, limpar a caixa de areia dos gatos...

Como conciliar essas coisas tão mundanas, tão terráqueas, tão reais com os sonhos?

Tem sido tão sofrido acordar, e ela gostaria sempre de continuar dormindo, e tem tido um sono descomunal.

Quando a realidade que nos cerca nos desagrada, foge-se para viver em outra realidade ou foge-se para viver em sonhos.

Maria tem vivido em sonhos. E o passo do dia-a-dia é tão corrido que ela não percebe os dias passarem e parece que a vida é feita de intervalos entre um dormir e outro.

E lá vai Maria...

sexta-feira, 24 de abril de 2009

el cielo

o céu me mantém atento

pintura expressionista

captada em versão 'amostra grátis' apenas pelas lentes das melhores câmeras

apreciada apenas pelas lentes dos melhores olhos

por trás dos meus olhos - eu, repleto do elemento ar - me sinto parte dele

e me encontro cada vez que sou surpreendido pela sua presença

não o vemos muito nas metrópoles

sempre escondido atrás dos arranha-céus, dos luminosos e cabeças de pessoas

e esquecido, por termos de vigiar o chão e evitar suas sujeiras

às vezes lembro de olhar para o alto e lá está ele

reconfortante

surpreendentemente sempre lá, sempre limpo e sempre reconhecível

ele que é a porta de entrada para o infinito

o infinito que sempre me levou longe

sempre carregando meus pensamentos avante

num loop, dia, noite, dia, noite, dia...

fazendo com que eu me sinta do meu tamanho: minúsculo

colocando todas as coisas em perspectiva

quando comparadas à sua grandiosidade

ora e outra se mostrando com cores fugazes que eu esqueço serem céu

e lá vou eu, em busca de mais céu

e fico na minha janela a observá-lo

e me espanto com a sua grandeza

porque ainda que eu o veja quadrado

eu o sei infinito.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Aviões de guerra divertidos


"Eu não quero criar conflito, eu não quero re-editar o passado, eu só quero libertação" é o que os B-52's dizem em uma de suas músicas novas - "Eyes wide open".
A primeira coisa que me chamou atenção no show foi o fato de eles terem mais de 50 anos de idade. Talvez estejam beirando os 60 (não fiz minha pesquisa ainda). Mas achei muito legal que aos 50 e muitos anos eles ainda estejam fazendo o que gostam e criando coisas novas ao invés de só viverem do passado. Eles tampouco tocaram seu maior hit - "Legal Tender" - talvez uma recusa total a surfar nessa onda que vem desde o início dos anos 80. Enfim, bom ver que mesmo na contemporaneidade a vida e a carreira no showbiz não terminam aos 40. Ainda assim eu ri muito quando um amigo que também estava no show disse que Kate - a ruiva - era mãe de Geri, a ginger spice, e que Cindy Wilson - a loira- a mãe de Emma, baby spice. Piadinha boa.
A segunda coisa que pulou aos meus olhos, quase que literalmente, foi a iluminação do show: a platéia era muito frequentemente iluminada, quase como se dissessem que também éramos parte do espetáculo. Um gesto talvez imperceptível para a maioria, mas com um efeito psicológico certo. Doía um pouco os olhos aquela iluminação repentina e nos destacava de uma maneira um tanto desconfortável - nós que estávamos lá mais para ver do que para sermos vistos. Mas realmente dava a impressão de que estávamos todos juntos ali - banda e público e que a festa era de todos. Em vários momentos realmente parecia uma banda animadora de festas.
Em terceiro lugar saímos - eu e minha irmã/karma - muito felizinhos do show. E não perguntei a ela, mas em mim o show ficou ecoando até agora. E eu não consegui parar de ouvir o Funplex. E mesmo saindo um pouco decepcionado, como todos, por não ter ouvido Legal Tender, acho que todo artista tem o direito de enterrar suas criações passadas e dar lugar a coisas novas. Como viver da mesma máscara quase 30 anos depois?
Cut us some slack.

Recomendo:
"Juliet of Spirits" - uma música que soa conhecida. Eu jurava que era das antigas, no show, mas é do último álbum, Funplex. A faixa é absolutely timeless. Incrível. Super chiclete.
"Eyes Wide Open" - citada no início do post deixa muito claro que eles não estão aqui para viver do passado
"Ultraviolet" - there's a rest-stop, let's hit the g-spot - LOVIN' IT! LOVIN' IT!