domingo, 6 de abril de 2008

Inclinei minha cabeça num ângulo de 45 gaus. Ao fundo, um navio cargueiro, pontuando uma paisagem indistinta de cinza. Água e céu confundiam-se nessa praia que - quando minha - é plúmbea. Estranho como basta inclinar a cabeça 45 graus para não reconhecer mais o mundo. Lembro que, quando criança, minha brincadeira preferida era rodopiar e rodopiar e, depois, cair ao chão, e assistir a um mundo todo novo onde nada era estático e tudo estava deformado, inclusive eu mesmo, no chão, sentindo o impuxo da terra.
A pontualidade do navio, com casco avermelhado, foi quebrada pelo movimento de um pombo que planava ao vento. Asas envergadas. Peito estufado. Eu o via com a cabeça inclinada e - como se formulasse algo inédito - pensei: "Como ele está adaptado ao ar... Mais do que eu estou adaptado à terra. Mais do que aquela família ali está adaptada à terra."
Não consigo deixar de pensar que toda nossa cognição, toda nossa percepção mais serve à uma inadaptação ao mundo do que o contrário.
Should, could, would... modalidades verbais que aconselham, falam de possibilidades remotas e hipóteses.
I should have been a pigeon.
So that I could fly.
And I would fly away.

Para longe da inadaptação e avante!
Sem artifícios.
Sem artimanhas.
Sem arte.
Só o atrito; o natural da vida - o mínimo possível.
Atrito do andarilho, cuja única motivação é continuar andando, e cuja única justificativa é habitar a possibilidade gerada pelo atrito de seu corpo com o caminho em que anda. Caso contrário, tal como o pombo, o andarilho também voaria. E estou certo de que seria para longe. Sempre para .
E as pessoas perguntariam: "Pra onde vai, andarilho?" e ele, já passado, diria "Vou pra láaaa...". E, depois, outras pessoas perguntariam "Para onde foi o andarilho?" e teriam como resposta: "Foi pra ".
E você? Para onde vai?

6 comentários:

Anônimo disse...

let me take you down. i'm going to strawberry fields.

Anônimo disse...

Vou pra láááá...

Ahahahaha... Muito boa a sacada, Diego. Mesmo... Realmente a gente cria um mundo pra TENTAR se sentir adaptado, quando na verdade isso revela justamente o contrário!

Anônimo disse...

Eu vou ali...


Eu brincava de olhar o mundo pelo espelho e de cabeixa pra baixo. Andava pela casa com o espelho virado pro teto, era bem divertido.

Até hoje, as vezes, eu me pego vendo tv de cabeça pra baixo.

Urania disse...

Eu gosto muito quando você escreve sobre as suas percepções... Mais do que quando você escreve com ironia.
Esse texto é o primeiro que eu vejo aqui com o qual eu realmente me identifico.
beijos

Urania disse...

não ficou esquisita essa minha construção no portugu~Es?
risos
beijos

Natacha Orestes disse...

Caramba! Eu não fazia a mínima idéia de onde você poderia ter me encontrado. Aí vim ver o seu blog, e achei que uma amiga minha ia gostar, porque ela também escreve in English sometimes. Ia passar para ela, quando chego aqui e vejo: foi através dela que você chegou a mim. Você conhece a pecinha rara que é a Alex! Hahahah...

Gostei muito deste seu texto, é sensível. Lembrei de quando eu era criança e brincava da mesma coisa que você! Era bom rodar, rodar, para depois me sentir meio zonza, nauseada. Tinha vontade de vomitar, depois. Mas era irresistível rodar novamente. Eu rodava até o limite. Quando a gente é criança experimenta a vida sem compromisso nenhum. É tão bom experimentar a vida, uma pena perdermos isso com o passar do tempo... mas acho que temos capacidade para renascer e voltar a ver o mundo com a sensibilidade da criança.

Ganhou uma visitante!
Beijo, guri.